Levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), mostra que o País conta com quantidade significativa de médicos - formados nas escolas brasileiras e com registro nos conselhos regionais de medicina (CRMs) - em condições de engrossar a linha de frente contra a pandemia de covid-19. No entanto, a ausência de políticas públicas tem feito com que esses profissionais estejam mal distribuídos pelos estados e regiões.
No momento em que transcorre essa emergência epidemiológica, o País conta com um total de 523.528 registros ativos de médicos nos 27 Conselhos Regionais de Medicina. Desse montante, 422 mil (80%) têm idade inferior a 60 anos (Tabela 1), ou seja, estão aptos ao atendimento de pacientes com covid-19, desde que não apresentem comorbidades. Na avaliação do CFM, médicos nessa faixa etária, assim como na população em geral, integram grupo de risco e, devem, portanto, ficarem afastados de atividades de assistência médica que os exponha a maiores chances de contágio pelo coronavírus.
Graduação - Dado importante na avaliação da força de trabalho médica é que, somente de janeiro a maio de 2020, o Brasil passou a contar com 9.653 novos médicos. São profissionais que concluíram sua graduação em escolas do País e fizeram seus registros nos CRMs. Apenas em três estados - São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais – estão concentrados 37,1% desse total.
Dentre os que integram esse grupo de egressos, 40,2% se registraram nos CRMs em janeiro. Desse total, quase 70% colou grau em dezembro 2019. Nos meses seguintes, a distribuição dos novos inscritos se dá assim: fevereiro (6,2%), março (6,7%), abril (32,3%) e maio (14,5% - até dia 21).
Ressalte-se que conjunto importante desses médicos, sobretudo os formados em abril e maio, anteciparam suas formaturas, conforme previsto pela Portaria nº 383, de 9 de abril de 2020, do Ministério da Educação, que dispôs sobre a antecipação da colação de grau para os alunos dos cursos de Medicina, em função da pandemia de covid-19.
Tendência - O acréscimo de quase 10 mil novos médicos (Tabela 2), apenas nos primeiros cinco meses de 2020, reflete a tendência de crescimento desse contingente de profissionais no País, nos últimos anos. Desde 2000, um total de 280.948 egressos deixaram as escolas médicas brasileiras. Descontando-se, no período, 29.584 baixas nesses cadastros por motivos diversos (aposentadoria, óbito e cancelamento), essa população médica aumentou em 251.364 indivíduos.
Esse fenômeno resulta da abertura indiscriminada de novos cursos de medicina e da ampliação de vagas em escolas médicas já existentes. Atualmente, o País conta com 341 escolas médicas em funcionamento, das quais 162 (47,5%) iniciaram suas primeiras turmas entre os anos de 2011 e 2019. O número total de vagas estimado em fevereiro era próximo de 36 mil vagas (de primeiro ano). Todos esses dados fazem parte do estudo Demografia Médica no Brasil, desenvolvido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), o qual deverá ser lançado ainda este ano.
Razão por habitante - O aumento recente do número de novos médicos de médicos tem impacto na evolução da razão médicos por 1.000 habitantes, indicador útil para comparações regionais. O Brasil como um todo passou a ter 2,5 médicos por 1.000 habitantes. Essa razão é superior ao registrado na Coreia (2,3), Polônia (2,4), Japão (2,4) e México (2,4) e ligeiramente abaixo dos Estados Unidos (2,6), Canadá (2,8) e Reino Unido (2,9).
Internamente, os dados mostram que a distribuição dos médicos brasileiros é desigual entre os Estados (Tabela 3). Há pelos menos oito estados com razão de profissionais por 1.000 habitantes igual ou superior ao índice brasileiro: Paraná (2,5), Minas Gerais (2,6), Santa Catarina (2,6), Espírito Santo (2,7), Rio Grande do Sul (2,9), São Paulo (3,2), Rio de Janeiro (3,7) e Distrito Federal (5,1).
Tabela 3. Razão médico habitante considerando a o total de médicos e os médicos com menos de 60 anos em 2020 de acordo com as unidades federativas, CFM – 2020
Questionamento - Diante do cenário descrito, que aponta um grande número absoluto de médicos, surge um questionamento: se não há falta de profissionais, por que, então, em alguns locais a relação entre estes e população é menor do que a média nacional? A resposta está na fragilidade das condições de trabalho e de propostas do Governo que atraiam e fixem os médicos em áreas de difícil provimento. O histórico dos últimos anos é de terceirização e quarteirização dos serviços médicos, atrasos nos pagamentos e, muitas vezes, calotes.
Um exemplo é o Amazonas, que entre 2019 e 2020 perdeu 549 médicos, segundo o Conselho Regional de Medicina (Cremam). Uma das razões está nos constantes atrasos salariais. Como a maioria dos médicos que trabalham no serviço público recebem como pessoa jurídica (PJ), a cada dificuldade de caixa dos governos estaduais e municipais, eles vão tendo seus pagamentos preteridos. Em abril, no pico da pandemia do covid-19 em Manaus, foram pagos os salários de fevereiro dos médicos que trabalhavam como PJ ou como cooperados. E esta é uma realidade que se repete em quase todos os estados, variando apenas o tempo de atraso.
No Rio de Janeiro, que entre 2015 e 2018 viu a população médica diminuir de 61.346 para 59.566, reduzindo a relação médico por mil habitantes de 3,75 para 3,55, a insegurança salarial e a violência têm levado a classe médica a procurar outros sítios. Em abril, os médicos das Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) estavam com os salários atrasados. Todos eram contratados por Organizações Sociais. Já os médicos e demais profissionais de várias clínicas de saúde receberam um salário 25% a 30% menor do que o devido.
Condições de trabalho - Some-se a esse quadro a falta de condições de trabalho, também é uma constante. Em plataforma desenvolvida pelo CFM, médicos brasileiros têm relatado dificuldades ligadas ao enfrentamento da covid-19. No primeiro levantamento divulgado, em maio, os médicos denunciaram 17 mil irregularidades, em 2.160 serviços médicos.
As maiores reclamações foram sobre a falta de EPIs (38,2%). Entre estes, foram apontados problemas com a falta de máscaras N95 ou equivalentes (24,6%), avental (22%), óculos ou protetor facial (18,8%), máscara cirúrgica (16,1%), gorro (10%), luvas (4%) e luvas cirúrgicas (3,7%). Em relação a insumos, os profissionais informaram a ausência de kits de exame para a covid-19, com 29,4% das denúncias; medicamentos, com 21,9%; exames de imagem, com 13,8%; material para uso em unidades de tratamento intensivo (UTIs), com 10,2%; e material para curativo, com 6,1%.
Entre as denúncias apresentadas, 30,8% relataram a falta de álcool em gel; 22%, a de álcool 70%; 19,3%, a de papel toalha; e 17,4%, a de sabonete líquido. Os médicos também denunciaram a falta de leitos de UTI adulto (39,3%) e de leitos de internação para adultos (32%). A falta de leitos de UTI para crianças e adolescentes foi apontada por 17,6% dos que fizeram a denúncia na plataforma do CFM. 11,1% também relataram a falta de leitos de internação para este público.
Voluntários – Finalmente o trabalho do CFM, destaca o grau de interesse dos médicos em atuarem, de forma voluntária, no combate à covid-19. Na análise dos recursos humanos em medicina disponíveis no contexto da luta contra a covid-19, chama a atenção o grau de desprendimento dessa população médica. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 10 mil profissionais da área se cadastraram no programa Brasil Conta Comigo e se apresentaram como voluntários para ajudar no atendimento da população.
Desse total, mais de 50% estavam concentrados em São Paulo (19,6%), Minas Gerais (12,9%), Rio Grande do Sul (10,3%), Paraná (6,5%) e Rio de Janeiro (6,2%). Além desses estados, houve adesão importante em Santa Catarina, Bahia, Distrito Federal, Ceará, Pernambuco, Goiás e Espírito Santo.
Figura 2. Médicos cadastrados no Programa “O Brasil Conta Comigo – Profissionais da Saúde” até o final de abril de 2020
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