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Infância roubada: como podemos mudar esse caminho lamentável


Os acontecimentos recentes no Espírito Santo com a menina de 10 anos nos tocam e assustam profundamente, por representarem uma situação dolorosa enraizada em nossa sociedade.


Como uma garota tão jovem pode ter sua vida roubada por uma violência dentro de sua própria casa ou família? Questões culturais e sociais mantém esse “padrão” de famílias de abusadores que se perpetua. Muitas mulheres e outros familiares defendem os abusadores ou temem denunciar tal atrocidade por medo ou dependência psíquica e/ou financeira. O modelo patriarcal ainda impera nos lares brasileiros e não somente nas famílias menos favorecidas.


Setenta por cento das vítimas são crianças e adolescentes; esse número é alarmante, mas não menos do que as marcas psíquicas deixadas na pessoa vítima do abuso.


E o que se pode fazer?

Desde cedo a família deve pactuar momentos de fala sobre a relação que a criança deve ter com seu corpo, conceitos de intimidade, de quem pode ou não tocar seu corpo, autocuidado, além de manter canal permanente de escuta. A menina deve estar ciente do poder que detém de ir e vir, falar e ser ouvida em todas as suas possibilidades. Para o menino, deve ficar claro que deve contar para alguém de sua confiança se sua intimidade estiver sendo violada e deve ser reforçado a ele que sua fala é poderosa, que nunca deve tentar resolver seus conflitos usando força física e ambos, menina e menino, devem sempre buscar a igualdade de gênero.


Na escola, os professores podem se aliar aos alunos na prevenção de todas as formas de violência no sentido de orientar, acolher e dar voz aos alunos. Os profissionais de saúde têm o dever de orientar as famílias na prevenção da violência e denunciá-la sempre, na suspeita de qualquer ato contra a integridade da criança ou adolescente.


Que todo cidadão possa se responsabilizar pela prevenção da violência. O Estado laico e democrático deve respeitar os direitos humanos e a Lei deve sempre prevalecer. Não se pode omitir a possibilidade do aborto, que já é previsto na Lei nos casos de estupro ou em situação de abuso sexual.


O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente é claro: toda criança tem o direito ao respeito, que consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.


De que maneira podemos fazer isso?

Como podemos mudar essa trajetória de dor e sofrimento de nossas crianças e adolescentes, diariamente abusados e privados de viver uma infância ou adolescência plena e feliz? Todo cidadão pode e deve ter seu papel na criação dos filhos, na educação escolar, na prática da igualdade de gênero, no âmbito da saúde, na escolha de governantes que defendam o SUS e nos espaços de convívio social.

Nós, pediatras, nos posicionamos sempre em defesa do cumprimento das leis do país, seja do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código Penal Brasileiro e de nossa Carta Magna. Que este caso emblemático sirva para que todos os setores da sociedade estejam vigilantes, denunciem, notifiquem e façam cumprir as leis.

___ Relatora: Dra. Carolina Cresciulo Departamento Científico de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo


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