O Conselho Regional de Medicina do Estado-1 São Paulo (Cremesp) ingressou com uma Ação Civil Pública inédita, neste dia 10, com pedido de liminar, solicitando a suspensão da eficácia dos arts. 2º, 3º e 4º da Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) nº 641/2020, publicada no Diário da União (D.O.U) em 4 de junho, que autoriza enfermeiros a utilizarem, com exclusividade, Dispositivos Extraglóticos (DEG) e pinça Magil com auxílio de laringoscopia, e a executarem cricotireoidostomia por punção, como forma de acessar a via aérea dos pacientes, infringindo, assim, aLei nº 12.842/13, intitulada “Lei do Ato Médico”.
A regulamentação da normativa, além de viabilizar a prática de atos privativos aos médicos, coloca em risco a saúde e segurança da população, uma vez que os profissionais da enfermagem não possuem a devida capacitação técnica e legitimação jurídica para a efetuação destes procedimentos, considerando o fato de que os mesmos não fazem parte de sua área de atuação.
É válido ressaltar que o COFEN vem instituindo inúmeras resoluções administrativas que buscam justamente ampliar as atribuições de seu nicho, sem respaldo em lei ordinária, como feito, por exemplo, com o parecer nº 206/2015 da autarquia federal, e do parecer técnico nº 1, do Coren-MG, que dispunham sobre competência e capacitação de enfermeiros obstétricos na utilização da ultrassonografia, os quais o Cremesp também ingressou com Ação Civil Pública, por violar a Lei nº 12.842/13.
De fato, os Conselhos de Fiscalização são dotados da capacidade normativa, mas sempre dentro dos limites que a Lei instituidora lhes impõe, ou seja, é possível editar normas que sejam apenas regulamentadoras da profissão, e não que se sobreponham à lei formal, como no caso dos atos administrativos em questão.
O Conselho de Enfermagem tem, portanto, transgredido, com recorrência, o princípio da legalidade estrita, definido pelo art. 37 da Constituição Federal (CF) de 1988, e o art. 196, da respectiva legislação, estimulando práticas potencialmente lesivas à saúde da população, em prol de benefício próprio.
Lei do Ato Médico
A Lei do Ato Médico dirime qualquer dúvida em relação às práticas que são exclusivas da profissão. Dentre elas, está a indicação e execução de procedimentos invasivos; a intubação traqueal; a coordenação da estratégia ventilatória inicial para ventilação mecânica invasiva e a respectiva interrupção; a realização de diagnóstico nosológico, bem como a atestação médica das condições de saúde, doenças e possíveis sequelas — presentes no art. 4ª da norma.
Tendo isto em vista, a Resolução COFEN nº 641/2020 ignora por completo as previsões legais mencionadas acima, uma vez que viabiliza o uso de Dispositivos Extraglóticos (DEG) para acesso à via área (art. 1º); a averiguação da correção do posicionamento e das técnicas de manutenção das pressões internas dos manguitos e balonetes dos DEGS e tubos traqueais; a instilação de líquidos e o esvaziamento constrolado, para pacientes transportados em aeronaves de asa fixa e/ou retroativa (art. 2º), a utilização de pinça Magil com auxílio de laringoscopia para a retirada de corpo estranho (art. 3º), e a execução de cricotireoidostomia por punção (art. 4º).
Além de buscar a legitimação destes procedimentos invasivos, restritos aos médicos, a autarquia federal, ainda, editou a normativa para que fossem implementados como recursos exclusivos dos enfermeiros, afrontando não só a Lei nº 12.843/13, como também a Lei 7.498/89, que dispõe sobre a regulamentação da enfermagem e às práticas pertinentes a ela.
Há, também, a violação oblíqua ao Decreto 8.516/15, à Portaria da Comissão Mista de Especialidades (CME) nº 01/2016 e à Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.148/16, uma vez que a Resolução nº 641/2020 invade áreas de atuação de especialidades médicas, definidas por meio do CME, CNRM e CFM.
Sendo assim, a Ação Civil Pública, requerida pelo Cremesp, busca, alicerçada sob todos estes elementos jurídicos e, principalmente, sob a Lei do Ato Médico, prevenir os riscos decorrentes do ato normativo baixado pelo COFEN, uma vez que toda a sociedade está exposta aos malefícios causados pela realização de procedimentos médicos por profissionais não habilitados para tanto.
O Conselho reforça que continuará atuando como órgão fiscalizatório da Medicina, em favor da segurança da população e de seus respectivos profissionais, não medindo esforços para tal.
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